O Segundo Advento de Cristo: Uma Reflexão Teológica e Histórica

A doutrina do Segundo Advento de Cristo, conhecida também como "Parousia" (παρουσία), é central na fé cristã, especialmente no que concerne à escatologia, o estudo das últimas coisas. Desde os primeiros dias do cristianismo, a expectativa do retorno de Cristo permeava a vida e a esperança dos crentes, influenciando a Teologia e a prática da igreja primitiva. No entanto, essa crença nem sempre foi corretamente compreendida, o que levou a diversas interpretações e, em alguns casos, a excessos e confusões. Este artigo pretende analisar a concepção inicial dessa doutrina, os desafios enfrentados pelos cristãos primitivos e como líderes da igreja ao longo dos séculos trataram essas questões.

A Expectativa Imediata dos Cristãos Primitivos

Os cristãos do primeiro século acreditavam que Jesus retornaria em breve, possivelmente durante a sua própria geração. Essa expectativa era alimentada pelos ensinamentos de Jesus, como registrado nos Evangelhos. Em Mateus 24:14, Jesus disse: "E este evangelho do reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as nações, e então virá o fim". Os primeiros discípulos, ao observarem o rápido crescimento da igreja e a expansão do Evangelho pelo Império Romano, possivelmente interpretaram essas palavras de Jesus como indicativas de um retorno iminente, após a proclamação universal da mensagem cristã.

A igreja em Tessalônica é um exemplo notável dessa expectativa. No primeiro século, os tessalonicenses estavam tão convencidos de que o "dia do Senhor" já havia chegado, que começaram a negligenciar suas responsabilidades diárias e sociais, entrando em uma forma de fanatismo escatológico. O apóstolo Paulo, ao perceber esse mal-entendido, escreveu duas cartas para corrigir essa visão distorcida sobre o retorno de Cristo. Na Segunda Epístola aos Tessalonicenses, Paulo adverte que certos eventos deveriam preceder a volta de Jesus, como a apostasia e a manifestação do "homem da iniquidade" (2 Ts 2:3). Paulo exorta a comunidade a continuar a viver de maneira responsável, lembrando-os que o retorno de Cristo ainda não era iminente: "Assim, irmãos, permanecei firmes e guardai as tradições que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa" (2 Ts 2:15).

Interpretações Escatológicas na Era Apostólica e Pós-Apostólica

Após o período apostólico, a expectativa do retorno imediato de Cristo continuou a influenciar os pais da igreja, embora muitos ainda tivessem compreensões limitadas sobre os ensinos de Paulo e dos demais apóstolos. Papias, um dos discípulos do apóstolo João, exemplifica essa ambiguidade teológica. Ele acreditava em uma visão um tanto exagerada e literal do milênio, afirmando que, no futuro, as videiras produziriam frutos de maneira sobrenatural. Essa visão, relatada por Eusébio de Cesareia, sugere uma interpretação um tanto fantasiosa das palavras de Cristo. Papias teria dito: "Dias virão quando as vinhas terão cada uma mil varas, e cada vara dez mil ramos, cada ramo dez mil hastes, cada haste dez mil cachos, e cada cacho dez mil bagos, e cada bago, quando espremido, dará quatro barris de vinho". Embora pareça uma visão poética e grandiosa, essas interpretações mostram o desafio que os primeiros líderes enfrentaram ao tentar entender a escatologia cristã.

Fanatismo e Falsos Ensinos no Período de Perseguições

O segundo século trouxe novas tensões para a igreja com o aumento das perseguições sob o Império Romano. Nesse contexto, surgiram interpretações escatológicas ainda mais distorcidas. Um exemplo é o falso mestre Judas, que, durante o reinado do imperador Severo, ensinou que Cristo retornaria no último ano de seu governo (203 d.C.). Judas baseou essa previsão em um cálculo equivocado das setenta semanas de Daniel (Dn 9:24-27), um erro comum em interpretações apocalípticas que tentavam forçar a cronologia bíblica para prever eventos futuros. Esse tipo de interpretação errônea apenas trouxe confusão e frustração à igreja, e a expectativa frustrada da volta de Cristo resultou em grande decepção para muitos crentes.

Outro exemplo é Hipólito de Roma (170-235 d.C.), um teólogo e presbítero que também enfrentou desafios semelhantes. De acordo com a tradição, ele relatou que um bispo sírio havia levado sua congregação para o deserto, esperando que Cristo retornasse ali. No entanto, ao perceberem que a parousia não ocorreria, muitos crentes retornaram desencorajados, e alguns chegaram a perder a fé.

O Papel de Eusébio de Cesareia

Eusébio de Cesareia (263-340), conhecido como o "Pai da História Eclesiástica", desempenhou um papel importante na sistematização da história da igreja e na compreensão teológica dos eventos futuros. Embora sua contribuição tenha sido imensa, inclusive na questão da escatologia, Eusébio também acreditava que o Anticristo surgiria em sua geração. Este é mais um exemplo de como os líderes da igreja, mesmo com todo o seu conhecimento, estavam profundamente influenciados pelas circunstâncias de sua época e pelas pressões políticas e religiosas.

O Ensino de Paulo sobre o Segundo Advento de Cristo

O apóstolo Paulo é uma das figuras mais influentes no desenvolvimento da doutrina cristã, incluindo a escatologia, ou seja, o estudo dos eventos finais, como o retorno de Cristo. Paulo escreveu sobre o tema em diversas de suas cartas, especialmente em resposta a mal-entendidos e confusões nas igrejas que ele fundou. As passagens-chave sobre o Segundo Advento ou Parousia de Cristo podem ser encontradas em suas cartas aos Tessalonicenses, Coríntios, Filipenses e Timóteo. Vamos examinar o que ele ensinou sobre o retorno de Cristo, organizando suas principais ideias e referências bíblicas.

1. A Segunda Vinda de Cristo como uma Certeza

Paulo afirma repetidamente que o retorno de Cristo é certo e inevitável. Ele via a segunda vinda de Jesus como o clímax da história, o momento em que Deus completaria Seu plano de redenção. Em sua primeira carta aos Tessalonicenses, ele declara:

“Porque o Senhor mesmo descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor” (1 Ts 4:16-17).

Paulo aqui descreve um evento escatológico que traz grande esperança aos crentes: a ressurreição dos mortos e o arrebatamento dos vivos para encontrar Jesus. Essa passagem sublinha a certeza do retorno de Cristo, sem especificar um tempo exato, mas assegurando que será um evento glorioso e transformador.

2. A Vinda Repentina e Inesperada

Paulo também alerta que o retorno de Cristo será repentino, como um ladrão de noite, inesperado e sem aviso prévio. Na primeira carta aos Tessalonicenses, ele reforça a necessidade de estarmos sempre vigilantes e preparados:

“Porque vós mesmos sabeis muito bem que o dia do Senhor virá como ladrão de noite. Pois que, quando disserem: Há paz e segurança, então lhes sobrevirá repentina destruição, como as dores de parto àquela que está grávida, e de modo nenhum escaparão” (1 Ts 5:2-3).

Essa linguagem de vigilância é crucial no ensino de Paulo. Ele sabia que, se a igreja pensasse que o retorno de Cristo estava muito distante, poderia cair no desânimo ou na complacência. Da mesma forma, o erro de acreditar que o retorno de Cristo era iminente poderia levar ao fanatismo e à irresponsabilidade, como aconteceu em Tessalônica.

3. Correção sobre a Imediatidade do Retorno de Cristo

A questão da imediatidade da parousia foi um dos principais motivos que levaram Paulo a escrever sua Segunda Epístola aos Tessalonicenses. Alguns crentes acreditavam que o "dia do Senhor" já havia chegado, levando-os a abandonar suas responsabilidades. Paulo corrige esse equívoco, explicando que antes da vinda de Cristo, certos eventos deveriam ocorrer. Ele afirma:

"Ninguém de modo algum vos engane; porque isto não acontecerá sem que antes venha a apostasia e se manifeste o homem da iniquidade, o filho da perdição" (2 Ts 2:3).

Aqui, Paulo indica dois sinais importantes que precederão o retorno de Cristo:

  1. A apostasia (um grande desvio da fé).
  2. A revelação do homem da iniquidade, muitas vezes identificado com o Anticristo.

Paulo assegura aos tessalonicenses que ainda não era o momento da volta de Cristo, pois esses eventos não haviam ocorrido. Com isso, ele aconselha os crentes a viverem normalmente, mantendo sua fé, mas também cumprindo suas responsabilidades cotidianas (2 Ts 3:11-12).

4. O Corpo Transformado e a Ressurreição dos Mortos

Paulo também descreve em mais detalhes a transformação que ocorrerá tanto para os vivos quanto para os mortos no momento do retorno de Cristo. Na primeira carta aos Coríntios, ele fala sobre a natureza gloriosa e imortal que os corpos dos crentes receberão:

"Num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados" (1 Co 15:52).

Este capítulo, 1 Coríntios 15, é uma das exposições mais detalhadas de Paulo sobre a ressurreição dos mortos e a transformação dos corpos. Ele ressalta que os corpos dos crentes serão transformados em corpos glorificados, adequados para a nova realidade do Reino de Deus. A morte será finalmente derrotada (1 Co 15:26), e os crentes experimentarão a vida eterna em toda a sua plenitude.

5. A Importância de Perseverar até a Vinda de Cristo

Outra mensagem importante de Paulo é a necessidade de perseverar na fé e na santidade até o retorno de Cristo. Ele encoraja os crentes a se manterem firmes e a viverem uma vida digna do Evangelho. Aos Filipenses, Paulo escreve:

"Mas a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo de humilhação, para ser conforme o seu corpo glorioso" (Fp 3:20-21).

Paulo lembra os crentes que sua verdadeira cidadania está nos céus e que sua esperança está no retorno de Cristo, que transformará a sua condição presente. A espera pelo retorno de Jesus não deve ser motivo de desânimo, mas sim de renovação de forças e confiança.

6. O Julgamento e a Justiça Final

O apóstolo Paulo também conecta o segundo advento de Cristo ao julgamento final. Ele enfatiza que, quando Jesus voltar, será para julgar o mundo com justiça e dar a cada um conforme as suas obras. Em 2 Timóteo, ele declara:

"Conjuro-te, pois, diante de Deus, e do Senhor Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu reino" (2 Tm 4:1).

Paulo sabia que o retorno de Cristo traria tanto a salvação para os crentes quanto o julgamento para os ímpios. Portanto, ele constantemente exortava os cristãos a viverem em retidão, sabendo que seriam chamados a prestar contas diante de Cristo no dia de Sua volta.

Conclusão

Paulo apresentou um ensino equilibrado e claro sobre o Segundo Advento de Cristo. Ele combinou a certeza da volta de Cristo com a necessidade de vigilância e paciência. Embora os cristãos devam viver com a expectativa do retorno de Jesus, essa expectativa não deve levar ao fanatismo ou à negligência das responsabilidades. A volta de Cristo é descrita como um evento glorioso, que culminará na ressurreição dos mortos, na transformação dos vivos, na derrota final da morte e no julgamento de todos.

Paulo exortou os crentes a viverem em santidade e a perseverarem até o fim, sempre mantendo o foco em sua esperança no retorno de Cristo. A doutrina do Segundo Advento, conforme ensinada por Paulo, é uma mensagem de esperança, transformação e vigilância, lembrando que o dia do Senhor virá de forma inesperada, mas com certeza.

A doutrina do Segundo Advento de Cristo sempre esteve no coração da esperança cristã. Os cristãos primitivos acreditavam firmemente que Jesus retornaria para consumar seu reino, mas essa expectativa, muitas vezes, foi marcada por mal-entendidos e interpretações equivocadas. O próprio apóstolo Paulo teve de corrigir os tessalonicenses, e ao longo dos séculos, a igreja continuou a lutar contra o fanatismo e a especulação acerca do tempo exato da volta de Cristo.

Apesar das diversas interpretações errôneas e do desapontamento de muitos ao longo da história, a igreja nunca abandonou sua esperança no glorioso retorno de Cristo, como afirmou o apóstolo Paulo: "Aguardamos a bendita esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Senhor Jesus Cristo" (Tt 2:13). Essa expectativa continua viva na fé cristã, uma lembrança constante de que, embora não saibamos o dia nem a hora (Mt 24:36), o Senhor voltará para julgar os vivos e os mortos e estabelecer seu reino de justiça e paz eternos.

Referências Bibliográficas